sábado, 5 de setembro de 2009

O fim da aventura angolana

Começo este post com uma novidade que tem tanto de inesperada como de bombástica: embora não com o desfecho que eu esperava ou que eventualmente tinha planeado, a minha aventura angolana chegou ao fim!

Depois de tudo o que aconteceu na parte final da minha última estadia em Angola, em que fiquei uma semana retido sem passaporte e com todas as consequências que isso teve no meu regresso a Portugal, nas minhas férias e no próprio projecto, poder-se-ia pensar que eu me fartei de vez e que isso me levou a bater de vez com a porta no que diz respeito ao tema Angola... Puro engano!

Não deixa de ser verdade que, na altura, stressei imenso com o que estava a acontecer e que, se porventura tivesse sido colocado de alguma forma entre a espada e a parede quanto a decidir se queria ou não voltar mais alguma vez a Angola, a minha resposta teria sido peremptória... Seria um NÃO VOLTO com todas as letras bem pronunciadas e com toda a convicção!!! Aliás, cheguei a comentar isso mesmo com muita gente com quem falei na altura, reforçando a ideia de que não era o (muito) trabalho que me ia desgastando de forma mais acelerada mas sim todas as questões logísticas associadas a estadias em Angola... De facto, este tema do passaporte foi apenas a gotinha de água que faltava...

Contudo, e apesar de ter inclusivamente ter referido aos chefes mais directos que com condições assim estava a perder a vontade de regressar, também acabei por dizer que já só queria era sair dali e que não ia tomar uma decisão precipitada e com os nervos à flor da pele. No meio de tanto stress e inquietação, ainda consegui resgatar um pingo de lucidez e bom senso... A situação lá se resolveu passado uma semana, tentei recuperar no que pude os estragos causados pelo atraso, fui de férias e lá fui meditando com calma sobre o que iria fazer e decidir quanto ao tema quando regressasse ao trabalho...

Durante todos estes pensamentos, de forma calma, consciente e ponderada, cheguei à conclusão que não me importaria de voltar a Angola, desde que algumas condições relativas a logística fossem melhoradas e com uma condição extra que considerei ponto de honra para que isso acontecesse: nunca mais de trinta dias seguidos, para que o passaporte nunca, mas nunca mais, saísse da minha posse enquanto eu estivesse em Angola! De resto, não tenho propriamente muito que me prenda a Lisboa, gosto das pessoas com quem trabalho, gosto do projecto e não desgosto completamente daquele país, portanto não me chatearia muito em regressar novamente desde que algumas restrições fossem cumpridas...

Aproveitando uma ida a Lisboa durante a última semana de férias para ir ao dentista e à consulta de ortopedia por causa do joelho, desafiei o manager para um café e falarmos do futuro... A conversa foi pacífica e correu bem, durou cerca de uma hora e não foi propriamente díficil chegar a um acordo quanto ao meu regresso. Uma vez negociados os trinta dias de estadia máxima que que queria garantir, apenas referi depois os outros temas com os quais também já "fervi" (eu e muita gente...), no sentido de os tentar ver resolvidos ou minimizados pelo menos. A única alteração face ao previsto seria viajar dois dias mais tarde, dia 9 em vez de dia 7, devido à segunda consulta de ortopedia em que iria mostrar os exames...

Apesar da logística naturalmente complicada associada a Angola e sobre as quais nenhum de nós tem controlo, há também muitas outras coisas que julgo estarem ao nosso alcance e é precisamente essas que temos que garantir que são religiosamente cumpridas de modo a não falharem... Coisas como ninguém saber de um recibo de prorrogação do visto de um passaporte, colocarem uma pessoa a saltitar de casa em casa estilo nómada, deixarem alguém "perdido" numa casa durante imenso tempo sozinho, não mudarem uma pessoa para outra casa quando há algum problema na casa em que se está havendo lugar noutras e por aí fora, não faz definitivamente parte da muito apregoada "experiência angolana" que serve para desculpar qualquer falha que aconteça... Eu chamava-lhe antes incompetência de alguém, extrema desorganização, falta de controlo ou pura e simplesmente um "estou bem, quem vier atrás que se desenrasque"... E é precisamente este o ponto-chave daquilo que é necessário resolver para garantir condições: cumprir e garantir tudo o que está do nosso lado da barricada e esperar que o que está do outro lado não falhe... Quando o outro lado falhar, aí sim já se pode começar a falar na dita experiência angolana...

Continuando: volto de férias e ainda estou a tentar entrar no ritmo de trabalho novamente, quando recebo um telefonema da secretária que habitualmente trata dos vistos para ir lá falar com ela... Fui ter com ela e, ao chegar lá, qual não é o meu espanto quando ela me mostra o passaporte e me diz que não só o visto tinha sido recusado, como também teria que ir a uma audiência no Consulado de Angola em Lisboa... Pensando bem, não fico assim tão surpreendido, já que depois de tudo o que se passou em Luanda, o meu nome deve ter ficado numa espécie qualquer de lista negra... Nunca me passou foi pela cabeça que eles pudessem ter tudo tão interligado... Ou então foi simplesmente mera coincidência e obra do acaso, sem ter qualquer relação com o que aconteceu, coisa que eu duvido muito porque parvos eles também não são...

Tendo em conta tudo o que já tinha acontecido e também na sequência desta recusa na atribuição do visto por parte do Consulado, a decisão do chefe no contexto do projecto foi a de que eu não iria voltar a regressar a Angola... Fui completamente apanhado de surpresa e ainda levei algum tempo a interiorizar esta decisão, que me causou imensos sentimentos contraditórios... Se por um lado fiquei feliz por assentar pés em terras de lusas, por outro lado não tenho muito que me prenda a Lisboa ou até mesmo a Portugal e não me importaria muito em regressar... Além disso, acabou por ser uma despedida de Angola muito pouco pacífica, carregada de mágoa, raiva e revolta... Não foi a despedida que eu planeava tendo em conta que foi quase um ano neste vaivém constante e em que, feitas bem as contas, acabo por ter mais tempo de Luanda que de Lisboa... Confesso que fiquei um pouco desapontado com a chegada ao fim deste ciclo desta forma tão repentina e da forma como aconteceu... Foi mau a todos os níveis, desde a nível pessoal como profissional...

Um dos principais motivos que esteve na base da minha decisão em regressar a Angola mesmo depois de tudo o que aconteceu foi, sem sombra de dúvidas, a fantástica equipa de trabalho que está no projecto... Mais do que sendo colegas de trabalho, mais que o excelente profissionalismo que todos têm vindo a demonstrar ao longo do projecto, estas pessoas têm-se revelado grandes amigos, algo que o facto de se estar em Angola acaba por ajudar a reforçar ainda mais. Só uma óptima relação entre todos poderia garantir o sucesso nos períodos mais conturbados de trabalho, a partilha de casas e até mesmo de quartos, os longos períodos passados fora de Portugal e longe de quem nos é mais querido, e todos os muitos outros factores que julgo serem em parte minimizados por esta grande união existente.

Não sei quem foram as pessoas responsáveis por formar esta equipa mas na minha opinião saiu-lhes a sorte grande quando o fizeram! E digo isto na sua globalidade e por todos os que de certa forma foram deixando a sua marca desde o início, mesmo considerando as saídas e entradas de alguns elementos que aconteceram pelos mais diversos motivos... Se me perguntassem para indicar alguns factores de sucesso para este projecto, de certeza que não me esqueceria de referir esta questão da equipa! Tal como já foi dito à algum tempo, frases como "somos uma família..." ou "isto noutro projecto já andava tudo à pancada uns com os outros e já ninguém falava com ninguém..." acho que acabam por reforçar e demonstrar bem esta união.
Naturalmente, cada pessoa acaba por ter maior proximidade com algumas pessoas do que com outras, mas analisando tudo com atenção nota-se que no geral esta união acontece.

Além deste aspecto de carácter mais pessoal, também a nível profissional me sinto um bocado a regredir... É verdade que continuo e vou continuar a trabalhar no mesmo projecto até ao fim desta fase, mas para mim não é de todo a mesma coisa... Afinal de contas, a acção e a essência deste projecto está em Angola, não está em Portugal... Por muito que se tente querer pensar que acaba por ser igual, que há comunicações de satélite, emails e telefonemas diários, etc., as coisas não são de forma alguma equiparáveis... É completamente diferente ter uma dúvida e ter uma equipa quase completa ao lado para debater o tema, vir um utilizador pedir ajuda porque não consegue fazer algo, ter um erro qualquer em produção a precisar de um ATEC urgente no final do dia, ter passagens de novos desenvolvimentos para outros ambientes, enfim tudo...

É óbvio que vou estar a trabalhar no projecto, mas será numa perspectiva em que praticamente estou focado naquilo que tenho destinado fazer, perdendo um bocado a noção de todas as outras coisas que possam estar a acontecer à volta... Isto é como meterem um saco de rebuçados nas mãos de uma criança e depois deixarem-na ficar apenas com um rebuçado dando como justificação que muitos rebuçados fazem mal aos dentes e à barriga... Ou então é como ganhar balanço para subir ao topo de uma montanha e passar para o outro lado e não se conseguir, acabando por descer a rebolar o caminho já percorrido...

O título deste post demonstra não só o fim deste ciclo, mas também o fechar da porta a eventuais ciclos futuros que possam estar relacionados com a Angola, independentemente de este ser um país que cada vez mais tem sido aposta não só desta empresa mas também de muitas outras... Depois de ter estado quase um ano em Angola, depois de ter participado num projecto desta dimensão, de ter estado envolvido praticamente desde início no nascimento deste sistema core de seguros e ter presenciado a entrada em produção a rebentar de orgulho por todo o esforço por nós realizado, depois de ter estado lá com uma equipa assim, diria que a partir de agora fecho completamente a porta a Angola... Se momentos antes escrevi a palavra regredir, também sei que dificilmente poderá haver um novo projecto desta dimensão e com uma equipa destas em Angola, pelo que voltar nessas condições mais diminutas seria isso sim a verdadeira regressão...

É verdade que saí com raiva e a desejar ver aquilo tudo atrás das costas, saí ainda com muito trabalho para o projecto por fazer, saí com alguma mágoa por sentir que me cortaram as pernas por diversas vezes no meio desta embrulhada toda, saí devido a estúpidas questões logísticas cujas responsabilidades estão dispersas por muitos sítios e muita gente, saí sem cumprir um dos objectivos pessoais que seria conhecer um pouco mais a realidade angolana fora de Luanda, mais concretamente as províncias do Lubango e do Namibe, saí... Saí! Ainda me custa a acreditar que saí...

Mas uma coisa também é certa: saí e não quero de forma alguma regressar, acabou-se! É definitivamente o fim de um ciclo e o fim de uma aventura angolana que teve os seus momentos maus e os seus momentos bons, dos quais eu apenas quero recordar os bons quando no futuro me lembrar desta experiência e desta etapa. Quanto aos maus, servem apenas para demonstrar que venci e ultrapassei muitos desafios em conjunto com muita gente e também para aprender e retirar algumas lições com os erros que se verificaram no passado para que não se voltem a repetir no futuro...

Este é talvez o meu maior post de sempre e com apenas texto, sem qualquer imagem... Ainda pensei colocar uma imagem simbólica para concluir tudo, mas cheguei à conclusão que não conseguia escolher a foto... Sem maca... Pronto!

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