segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

A viagem de regresso - Parte III

Quando finalmente aterramos na ilha do Sal, em Cabo Verde, por volta das 14 horas locais (mais uma em Portugal, mais duas em Angola) a nossa animação começou ainda dentro do avião... À semelhança do que acontecera horas antes na aterragem em S. Tomé e Príncipe, desta vez foi um conjunto reduzido de portugueses malucos que desatou às vivas e a bater palmas... O melhor mesmo é nem referir muitos nomes mas, não querendo acusar ninguém, acho que o incentivo partiu do Gonçalo, que arrastou consigo uns tipos chamados André, Miguel, Daniel e muitos outros...

Depois de toda aquela algazarra, saímos do avião e entrámos num autocarro que nos transportou para o edifício do aeroporto... Mais valia que seguissem o exemplo de S. Tomé e nos deixassem ir a pé, já que se andamos uns 30 / 40 metros foi muito... Ao entrarmos no edifício do aeroporto, dirigimo-nos para a curta fila de controlo de passaportes, de modo a podermos pagar o visto de entrada no país. Íamos ter de esperar cerca de 12 horas pelo nosso voo de ligação para Portugal, portanto obviamente que não passava pela cabeça de nenhum de nós passar aquele tempo todo no aeroporto... Já que teríamos de nos sujeitar a tanto tempo de espera, pelo menos teríamos de arranjar qualquer coisa para passar o tempo, nos divertirmos à grande e à francesa e já agora porque não conhecer um pouco a ilha do Sal, que até nem é muito grande.


Após pagarmos o visto de entrada e ficarmos com mais um carimbo no passaporte, fomos recolher a bagagem, constatando de imediato que tinha sido remexida e inspeccionada à saída de Luanda... Como prova disso mesmo, bastava olhar para o cadeado forçado da minha mala e para o fecho parcialmente aberto da mala do Gonçalo... De qualquer maneira, assim à primeira vista não faltava nada, tal como se veio a confirmar depois... É um bocado mau uma pessoa saber que as suas coisas foram remexidas sem ser à frente da própria pessoa mas enfim, está-se a falar de Angola e já é excelente saber que ainda assim nada desapareceu...

Demos então início à nossa aventura por terras de Cabo Verde e, para tal, nada melhor que ter um meio de transporte próprio... Como tal, decidimos investigar qual o preço de alugar um carro até ao final do dia e tratámos do assunto ainda dentro do aeroporto. Alugámos um jipe novinho em folha, com apenas 7 mil quilómetros! Mal nós sabíamos ainda que numa paisagem como a da ilha do Sal, aquele veículo se iria revelar como o melhor meio de transporte que poderíamos ter arranjado... Durante as habituais formalidades de aluguer de um carro, grande motivo de risota, quando a senhora se vira para o Miguel, após este lhe entregar os documentos de identificação necessários para fotocopiar ao alugar, e lhe diz a muito custo numa mistura de português com crioulo: "Desculpe, mas o senhor enganou-se... Entregou-me a carta de condução da sua namorada..." Foi o suficiente para nos desmancharmos de imediato a rir... A foto da carta de condução do Miguel não tem absolutamente nada a ver com ele actualmente... Era bem exemplificativa dos seus tempos de rebeldia aos 18 anos: cabelo liso pelos ombros, sem grandes vestígios da habitual barba, de facto olhando assim à primeira vista compreende-se perfeitamente a reacção da senhora...

Uma vez esclarecido o equívoco e depois de arranjar o mapa, lá tivemos nós de procurar uma bomba de gasolina, não fossemos nós ficar apeados... Dirigimo-nos ao centro da capital da ilha, uma cidade pequenina muito pacata chamada Espargos e procuramos um posto de combustível. Obviamente, não foi propriamente díficil encontrar um, talvez um dos únicos existentes, mas em Cabo Verde já se sentia a diferença de preços do combustível relativamente a Angola, aproximando-se o preço dos praticados em Portugal...

Depois de abastecer, demos uma voltinha pela cidade e fomos até à zona mais elevada, de forma a tentar obter uma vista mais global sobre a ilha e sobre a cidade... Após subirmos uma estrada estreita de grande inclinação, chegámos finalmente ao topo de um monte, que parecia ter uma espécie de forte no topo e tinha um segurança à porta... Não conseguimos perceber muito bem o que aquilo era, mas tendo um segurança à porta percebemos que deveria ser alguma coisa importante e nem sequer fizemos uma tentativa de entrar... Preferimos tirar umas fotos, apreciar um pouco a paisagem desértica e voltar a descer para prosseguirmos com a nossa visita à ilha.


Depois de alguns quilómetros de estrada, em que apenas se via asfalto, um aspecto desértico dos dois lados da estrada e uma palmeira aqui, uma palmeira ali, decidimos tirar partido do potencial de termos alugado um jipe... Decidimos ir até uma praia e, aquilo que inicialente começou numa estrada de terra batida, rapidamente se transformou num trilho, cheio de buracos e pedras pela frente, até desaparecer por completo... Tínhamos assim liberdade para definir a nossa própria estrada e andar por onde nos apetecesse...


Na nossa incursão até à praia, na qual tirámos algumas fotos, o Gonçalo não resistiu a subir para cima do tejadilho do "nosso" jipe... E para não variar muito e manter o estatuto de "o mais doido do grupo" (eheh, estou a brincar!), foi também ele que fez o Miguel parar o carro para ir ter com um burro que se passeava desgovernado no meio da estrada... Já depois de ter agarrado na corda que o burro trazia ao pescoço e depois de esse momento ter ficado registado para a posteridade, ainda resolveu ir correr atrás do pobre animal quando este se afastou rapidamente dele após um curto espaço de tempo...


Numa das poucas fotos tiradas em Cabo Verde, ficou inevitavelmente registado o pôr-do-sol... Contudo, e depois das belíssimas fotos tiradas em Angola durante esse momento fantástico, o pôr-do-sol cabo-verdiano ficou inevitavelmente aquém das expectativas... É claro que o céu nublado também não ajudou muito mas, ainda assim, depois daquele privilégio magnífico vísivel em Angola, seria preciso bem mais para me impressionar...

Continuamos a nossa visita à ilha, dirigindo-nos para sul, em direcção a Santa Maria. Depois de estacionar decidimos dar um passeio a pé e, após algum tempo a caminhar, decidimos entrar numa loja para comprar umas recordações da nossa curta mas agradável passagem por Cabo Verde... Na dúvida quanto ao que comprar, ganhou força uma pequena tartaruga de madeira, visto ser este o símbolo de Cabo Verde...


Após algum tempo, e iludidos pelo anoitecer que, à semelhança de Angola, acontece muito cedo, acabámos por procurar um restaurante para jantar no centro de Santa Maria... Encontrámos uma esplanada com um aspecto muito agradável e rapidamente demos por nós a petiscar e a beber uma sangria carregadíssima de fruta... Mesmo para quem não é grande adepto de bebidas alcoólicas, devo dizer que estava deliciosa. Mais parecia um sumo de tuti-fruti que outra coisa!!! Finalmente, e depois de comer uma quantidade considerável de camarão, polvo, choco e uma série de outros petiscos que nos foram entretanto trazendo a nosso pedido, lá nos decidimos a comer também um dos pratos da gastronomia tradicional de Cabo Verde: uma cachupa rica deliciosa, de comer e chorar por mais!

Depois da cachupa veio a sobremesa, da qual ainda aproveitámos também o molho que regava a sobremesa de banana do Gonçalo... Para finalizar, e como bons e simpáticos clientes que fomos, a dona do estabelecimento ainda decidiu oferecer-nos uma bebida: grogue de canela... Que coisa tão amarga, meu Deus!!! Aquilo queimava tudo e mais alguma coisa tal era a quantidade de álcool e o pouco sabor a canela... Só mesmo devido à boa vontade e simpatia da senhora nos decidimos a beber aquilo, mas teve mesmo de ser de golada, caso contrário aquilo não ia lá...


Como ainda era cedíssimo, apesar da noite já cerrada, decidimos dar mais uma volta a pé, na esperança de encontrar um local onde nos pudéssemos divertir e passar um bom bocado até chegar a hora de voltarmos ao aeroporto... Acabámos por entrar numa loja que parecia mais adequada à Jamaica: música à Bob Marley, um cheiro mais ou menos intenso no ar que não deixa grandes dúvidas quanto à sua origem, um ambiente de "Cabo Verde, no stress..." e "Ya brother, tá-se bem..." Mas os donos da loja até eram malta porreira: tivemos um bocado à conversa e, mesmo sem comprarmos nada, ainda nos indicaram dois bares porreiros que ficavam ali pertinho... E foi precisamente nesses dois bares que passámos o tempo que nos restava em Cabo Verde, sempre animados e na galhofa, primeiro num bar, depois no outro, ambos com um ambiente impecável, bem frequentados e com música porreira.

Por volta da meia-noite, decidimos então abandonar o bar e, depois de alguns minutos a pé até chegar ao carro, iniciámos então aqueles que seriam os último quilómetros em Cabo Verde... Uma viagem alegre e animada, que só teve um momento triste quando ouvimos na rádio que o Benfica, a precisar de ganhar por oito golos de diferença e esperar um resultado favorável do outro jogo, tinha perdido... Mas dado que ninguém tinha grandes esperanças num resultado que garantisse a qualificação, essa tristeza também só durou umas réstias de segundo...

Foi em grande animação que estacionámos o carro no parque de estacionamento do aeroporto, principalmente depois de constatarmos o estado imundo em que deixavamos o carro por fora... É que, quando há um buraco aqui, um buraco ali, uma pedra aqui, outra acolá, um gajo ainda tem algum cuidado a conduzir para tentar evitar esses pontos... Mas quando se chega a um ponto em que uma pessoa se farta completamente de contornar obstáculos, ainda para mais tendo um jipe nas mãos e que ainda por cima não era nosso, facilmente se esquecem estes pormenores... Basicamente, foi sempre a direito e sempre a levantar borralho à nossa passagem, pelo que a traseira do jipe estava um pouco irreconhecível, tal a camada de pó acumulado... Felizmente, só tínhamos de deixar a chave num dos cafés do aeroporto e ninguém foi ver o jipe, caso contrário ainda nos pediam para ir lavar o carro...

E foi a cantar a plenos pulmões e a perguntar a toda a gente se sabiam onde era o Kinashish (um largo conhecido que existe em Luanda) que nos dirigimos à sala para levantar as malas... Obviamente, as pessoas olhavam para nós com aquele ar de "Quem são estes maluquinhos?", mas também dado que estavam ali de passagem o melhor era nem chatear muito e deixá-los ir embora depressa do seu país... Pelo menos, encontrámos uma pessoa que nos disse saber o que era o Kinashish... A senhora que estava responsável pela sala das malas no aeroporto, ao ver o Miguel começar a despir-se para vestir umas camisolas já em preparação para a chegada a Lisboa e ao ouvir o Gonçalo dizer-lhe "O Miguel vai-lhe mostrar o que é o Kinashish...", rapidamente se virou para nós e disse "Já sei o que é o Kinashish..." Não sei porquê, mas acho que a senhora tinha uma mente um pouco perversa... Dúvido muito que ela soubesse o que era o Kinashish, mas pronto, havemos de ficar na dúvida para sempre...

E com isto, depois do check-in feito e do controlo de passaporte, lá fomos nós para a sala de espera junto à porta de embarque do avião que nos iria trazer algum tempo depois de volta a Lisboa... Depois de uma noite muito mal dormida e depois de toda aquela ansiedade da partida, após quase um dia de viagem e das nossas aventuras por Cabo Verde, juntamente com aquelas bebidas durante o jantar, facilmente adormecemos durante uns tempos à espera da hora de partida do avião... Quando finalmente embarcámos, ocorreu ali um período de quase sonambulismo, já que depois de entrarmos no avião, rapidamente adormecemos novamente até chegar a Lisboa por volta das 7h da manhã hora local... Brrr... Que frio à saída do avião, já não estava de todo habituado a esta temperatura...

Sem comentários: